A Conturbada Relação de Lucrecia e Valério em Elite

Elite é uma das minhas séries favoritas, as razões são variadas, mas a principal delas é o relacionamento enigmático e problemático entre Lucrecia e Valério.

Enfim, por mais estranho que pareça para algumas pessoas, gostaria de saber mais sobre como tudo começou e como funcionava essa “dinâmica”.

Por esse motivo, fiquei especialmente decepcionada com a terceira temporada. Pois apesar de termos presenciado um dos momentos mais especiais da série, quando Lu confessa a verdade ao pai:

Ainda assim, restaram mais perguntas do que respostas. Como realmente tudo começou? Os sentimentos acabaram depois de tudo? Era realmente tudo completamente consensual?

Então, pensando nisso a proposta dessa matéria é analisar e especular um pouco sobre o relacionamento e individualidades dos dois. Já que com a saída confirmada dos atores provavelmente não receberemos tais respostas.

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Desse modo, o primeiro passo para realmente compreender a dinâmica entre os dois é entender quem é cada um deles individualmente. Seus medos, defeitos, personalidade e como tudo isso os levas as suas ações.

Lucrecia Montesinos

“Hoy en día, ¿Quién busca ser feliz cuando puedes ser el mejor?”

Trad.: Hoje em dia, Quem busca ser feliz quando pode ser a melhor?

Inicialmente conhecemos Lu como uma espécie de vilã, muito competitiva, preconceituosa e capaz de qualquer coisa para manter seu status.

Desde o piloto ela começa uma competição nada saudável com Nádia, onde as duas competem tanto pelo primeiro lugar da escola quanto pelo coração do Guzmán.

Apesar de se mostrar como alguém fria, no fim é uma pessoa muito sensível. Alguém que não só quer ser a melhor, mas que sente que precisa disso como forma de validação.

Além disso, apesar de quase sempre ter companhia, não tem com nenhum personagem, além do Valério e por um tempo Cayetana, uma relação de amizade e cumplicidade “real”.

Dessa maneira, Lu é extremamente solitária, e não é difícil imaginar que tenha sido essa solidão que a aproximou do irmão do jeito “errado”.

Quando você vive se sentindo sozinha o tempo todo é fácil se envolver com a única pessoa que você acha que sempre estará por perto e para ela essa pessoa é sem dúvida o Valério.

Enfim, o que deve fazê-la sentir ainda mais patética, errada e de alguma forma inferior aos outros.

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Valério Montesinos 

“Creo en el amor. ¿Sabes lo raro que es desear a alguien con todas tus fuerzas y que te correspondan? A eso se le llama suerte… y no ocurre todos los días.”

Trad.: Acredito no Amor. Você sabe como é raro querer alguém com todas as suas forças e a pessoa te corresponder? Isso se chama sorte … e não acontece todos os dias.

Agora é a vez de analisar o Valério, a primeiro momento é apresentado como um festeiro sem limites, drogado e o típico garoto problema da família.

Desde criança foi constantemente rejeitado pelos pais que disputavam para não ficar com ele.

Valério é viciado e usa as drogas como um escape para seus problemas. Enquanto sua meia-irmã se preocupa extremamente com suas notas e aparências, Valério só deseja duas coisas: Se divertir e ser feliz. Sem se importar com as consequências ou com o que qualquer outra pessoa pensa dele.

Como Lu, ele também se sente insuficiente e sozinho. Porém ele escolhe lidar com isso de uma forma diferente, prefere se entorpecer e se autodestruir por uma falsa sensação de felicidade e ilusão de futuro.

Sua relação com Lucrecia é muito parecida com sua relação com as drogas: obsessiva e nem um pouco saudável.

Apesar de amá-la, ou ao menos dizer isso, passa praticamente toda a segunda temporada sabotando e manipulando o relacionamento dela com o Guzmán.

Pois para ele os fins justificavam os meios e toda a mágoa que ele estava causando era um mal necessário para que eles fossem felizes juntos. Mas por que ele a amava tanto?

Viagens e Relações Familiares

“Nunca ames a alguien que te haga sentir ordinario.”

Trad.: Nunca ame alguém que te faça sentir ordinário.

Primeiro vou recordar o parentesco desses dois. Valério e Lu são meios-irmãos por parte de pai e tem um ano de diferença. Como o pai deles é um diplomata, Lucrecia e Valério cresceram se mudando constantemente. Não sabemos quanto tempo eles passaram juntos durante a infância, mas por tudo que já disseram sabemos que foi um tempo considerável.

Apesar de não ter sido dito, não é difícil imaginar que crescer se mudando colaborou para que ela se tornasse tão hostil e “desapegada” nas suas amizades. Imagine crescer sempre indo embora? Chega um momento que pessoas com esse histórico simplesmente desistem de fazer amigos, e é o que eu acredito ter ocorrido com eles.

Porém, cada um escolheu lidar com essa questão de forma diferente. No fim, os dois sofriam das mesmas aflições: carência e solidão.

Papéis e Relações Familiares

Com pais ausentes, mas ao mesmo tempo muito rigorosos. Os dois cresceram sendo os únicos que realmente compreendiam a dinâmica familiar.

Além de serem a maior estabilidade que tinham durante a infância, em meio a tantas mudanças, os dois eram uma equipe contra o mundo. Uma equipe constantemente separada quando Valério “causava problemas”.

Dessa maneira, apesar de ser a irmã mais nova, Lu acabou tomando uma posição de liderança. Era ela quem o protegia e mentia para mantê-lo seguro e próximo dela.

E, de certo modo, talvez tenha realmente passado a vida inteira tirando o dedo dele da tomada, como ela mesma disse na terceira temporada.

Na dinâmica familiar, os dois tinham papéis claros. Valério era o rebelde/problemático e Lu a filha perfeita, responsável por manter tudo sobre controle. Dois extremos que só encontravam o equilíbrio dentro da família quando juntos.

Compreensão e amor

Nas poucas cenas que vemos o pai interagindo com os filhos existe uma diferença gritante de tratamento.

Assim, não é difícil compreender a devoção que Valério tem por ela. Já que Lu era a única pessoa na vida dele que realmente se importava. E ainda que o destrate na frente da família, nunca foi igual a todos os outros, pois apesar de fingir que não, era a única que não o fazia sentir ordinário.

Por outro lado, Valério era o único que via Lu por trás de toda fachada, que entendia todas as suas inseguranças e que a fazia se sentir especial e menos sozinha num mundo nem um pouco receptivo.

No fim, é fácil compreender de onde vieram esses sentimentos e porque eram tão viciantes. Todos deveriam se sentir assim, não deveria ser algo que você precisa lutar para ter e nenhum dos dois é culpado por isso.

Mas a pergunta que fica é: Quando e como a relação deles deu essa virada?

O Incesto e a dinâmica dos dois

¿También era así cuando te metías todas las noches en mi habitación?

Trad.: Eu também era assim quando você se enfiava todas as noites no meu quarto?

Uma das perguntas sem resposta é quando exatamente tudo começou. Pelo informado na segunda temporada, sabemos que eles devem ter começado a ficar juntos pelo menos dois anos antes. Já que Guzmán cita seus ciúmes e Valério diz que eles costumavam se divertir juntos antes.

Considerando que na primeira temporada ele estava em um colégio interno, o relacionamento teria que ter começado pelo menos um ano antes. Sendo assim, os dois meios-irmãos teriam nesse início ao menos 15 e 16 anos, mas talvez fossem ainda mais novos. O que levanta a questão: Foi realmente consensual?

“¿Sabes por qué te besé la otra noche en la fiesta?”

Trad.: Sabe porque eu te beijei na festa?

E quando eu faço esse questionamento, não é tentando dizer que alguém obrigou alguém há alguma coisa, mas consenso é mais do que dizer não ou dizer sim, é sobre ter consciência do que se está fazendo. Será que os dois tinham quando tudo começou?

O questionamento vale para os dois lados, sabemos que a iniciativa partiu da Lu, que foi ela que o beijou pela primeira vez.

Nessa época Valério já usava drogas, isso por si já é o suficiente para questionarmos se começou como algo realmente consensual. Será que Lu se aproveitou do estado dele para “se aproveitar”? Ou o contrário?

Além disso, os dois tinham usado alguma coisa? Qual era o estado emocional deles?

Nenhuma dessas perguntas foi claramente respondida, apesar de Lu ter dito que ele não era um criminoso e que o amor não era um crime. Isso não necessariamente responde.

Na verdade, saber de tudo isso poderia mudar completamente como vemos esse relacionamento. Talvez no fim não fosse algo tão consensual quanto parecia.

Valério era capaz de tudo para ficar com ela, inclusive se aproveitar de um momento de fragilidade, como fez na festa de Halloween.

Valério sabia que ela nunca se deixaria levar se estivesse bem, mas no fim isso não é relevante para ele. A única coisa que importa é ficar com ela.

Por outro lado, Lu também não se importa em magoá-lo e aparentemente só recorre a ele quando não tem mais ninguém por perto.

De todo modo, por mais que a iniciativa tenha partido dela, a responsabilidade segue sendo dos dois. Valério poderia ter impedido que as coisas evoluíssem depois. Por que os dois seguiram com isso por tanto tempo então?

“Lu, lo que te estoy diciendo es que nadie puede hacerte sombra.”

Trad.: Lu, o que estou dizendo que ninguém brilha mais do que você.

Já sabemos que os dois sempre foram muito solitários e que sempre tiveram ou sentiam ter apenas um ao outro.

Mesmo sendo popular as amizades de Lu eram superficiais e com as mudanças constantes de Valério ele não devia estar numa situação tão diferente dessa.

Assim, toda essa carência deve tê-los aproximado e conduzido os dois para um ciclo vicioso. Onde apesar de saberem que não deveriam fazer aquilo simplesmente não conseguiam mais evitar.

Enfim, o relacionamento se tornou uma forma dos dois suprirem essa carência e se sentirem amados pela única pessoa que sempre estivera ali.

Relacionamento Tóxico e Problemático

Porém apesar dessa cumplicidade, o relacionamento em si não era saudável. E nem era só por eles serem meios-irmãos, honestamente essa não é nem a maior problemática dos dois. A questão é mais simples do que essa, na prática todo bem que um fazia um ao outro se anulava por todo mal que também causava.

Pois nenhum dos dois buscava fazer o outro feliz, suas preocupações eram somente com suas próprias carências e necessidades. Assim, ainda que não tivessem parentesco ainda teriam um relacionamento tóxico e problemático.

Apesar de não haver só vítimas ou culpados nessa história, no fim um feria o outro o tempo inteiro, pois nenhum dos dois realmente se escutava.

Durante toda a segunda temporada Lu quer provar que não sente mais nada e Valério quer convencê-la a tê-lo de volta. Os dois estão perdidos dentro das suas próprias vontades e não se comunicam, Valério principalmente.

“¿No era esto lo que querías? ¿Que dejara de contenerme? Pues aquí estoy, desatada.”

Trad.: Não era o que você queria? Que eu deixasse de me conter? Agora estou aqui desatada.

O modo como ele age ao longo da segunda temporada é egoísta e muito cruel. Valério é tão carismático quanto manipulador e tudo que faz é com o mesmo propósito, fazer com que ela volte para ele.

Mesmo ela já tendo deixado claro que não quer se deixar levar de novo: ele oferece drogas para o Guzmán, aconselha a Nádia, tudo para garantir que sua irmã fique “livre”.

Ele não leva em conta o quanto vai magoá-la no processo, tudo o que importa para ele é tê-la de volta. Não importa como ou em que estado. E apesar do relacionamento de Guzmán e Lu ser péssimo, não cabia a ele decidir isso por ela, muito menos expor os dois.

É quase como se ele dissesse constantemente que não há mais ninguém para ela além dele, o típico discurso abusivo.

Decepções e Traições

O pior de tudo é que quando ela enfim se entrega, ele percebe que não é suficiente, que essa garota duas caras, que o destrata na frente dos pais e que se vinga a todo custo não é suficiente para ele. Assim, Valério os expõe para o pai e acaba o que eles têm.

A grande questão é que ela nunca o enganou sobre quem era, ao longo de toda a temporada, ela é a garota que exporia um vídeo, a pessoa que se vingaria a todo custo, por que ele ficou tão surpreso? Não era a mesma pessoa que ele enxergava? E isso é culpa da Lu aonde?

Ainda que Lucrecia não seja uma flor, ela não é responsável pelas expectativas que ele criou, e não precisava ter pagado do jeito que pagou.

Definitivamente Lu errou muito em divulgar o vídeo do Nádia, mas expô-los do jeito que fez foi extremamente egoísta.

Não é difícil entender que ele se sentiu responsável e quis se vingar pela nova amiga. Porém, no fim esse modo só serviu para causar mais dor e sofrimento aos dois e não ajudou em nada a Nádia.

Além disso, o que ele falhou em enxergar foi o pedido de ajuda dela. Quando alguém que aparentemente só se importa com as aparências se humilha daquela maneira na frente de todos, algo certamente está errado.

“¡Yo no sé qué es lo que hago siempre, que acabó traicionada!”

Trad.: Eu não sei o que eu faço que sempre acabo sendo traída!

E foi nesse estado: carente, sozinha e traída em que ela se abriu para Valério de novo, e mais uma vez foi traída.

Enfim, ele parecia estar vivendo numa realidade alternativa, onde tudo se resolveria quando os dois ficassem juntos, como se estar juntos pudesse consertar todas as mágoas e feridas, mas não é assim que funciona no mundo real.

Depois de tudo que ela passou, não seria uma noite com ele que consertaria tudo, e isso não quer dizer que ela não o amasse. Lu precisava de ajuda e Valério, como todo mundo a volta dela, enxergou primeiro suas necessidades ao invés das dela.

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A 3° Temporada e a distância

Por outro lado, não dá para negar que Lu também não colabora, o modo como ela o trata é desnecessário e humilhante.

Assim, consigo compreender porque Valério se aproximou de Polo e Cayetana, e até porque resolveu expor a situação financeira dela para o Polo. Mesmo depois dela ter acabado assim numa tentativa de ajudá-lo, mas uma coisa é certa todos: falharam em perceber o que ela estava passando.

Apesar dela ter se aproximado da Nádia na última temporada, a relação ainda era muito superficial. Ela precisava de mais, e o mais dela não estava presente. Talvez se estivesse a história poderia ter terminado de um jeito diferente.

Honestamente não me surpreende ela ter lidado tão mal com as coisas terríveis que Polo falou para ela no último episódio. Em suma, Polo basicamente repetiu todas as inseguranças que ela já tinha, tornando-as ainda mais difíceis de suportar.

Por fim, mais uma vez os papeis mudaram e ela precisou ser salva pelo Valério. Finalmente ele foi a pessoa que ela precisava que ele fosse.

Porém, como todas as outras vezes esse equilíbro só pode ser retomado por pouco tempo e em seguida os dois foram “obrigados” a seguir suas vidas separados, como “sempre” deveria ter sido.

Seria essa separação para sempre? Ou só uma breve pausa? Nunca saberemos.

Ps: Caso alguém da Netflix leia isso saiba que uma série focada na Lu respondendo a essas perguntas tem tudo para ser sucesso. Se precisar de uma roteirista estamos aí!

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Revisão: Leandro Reis