Them | O angustiante debate sobre o racismo
Quando o teaser da série Them apareceu no meu feed de notícias do Instagram, as cenas me surpreenderam. De pronto, achei que fosse mais um terror historicamente ambientado. Assistindo, o choque foi ainda maior: o foco da série não é o fator psicológico, e sim o racismo na mais asquerosa forma.
O racismo e o sobrenatural
A série estreou na Amazon, se passa na década de 50 e narra a história da família Emory, negra, que tenta vida nova num bairro de Los Angeles. O problema? O bairro é majoritariamente branco. Ainda, Them carrega o teor que envolve a temática sobrenatural. A princípio, o racismo e o sobrenatural parecem vilões que não têm qualquer relação entre si, certo? Mas o enredo é tão bem amarrado que, quando percebemos, tudo se encaixa: a tensão, a trilha sonora, as cenas bem produzidas e as atuações escorreitas. Tudo orna, e muito bem.
Apesar de ter estreado em abril, a série tem tido certa notoriedade agora. E não há uma pessoa que tenha sido indiferente à ela. Na verdade, a maioria das pessoas com quem conversei sobre, não gostou. E não é para menos: quando o público se depara com experiências que poderiam, perfeitamente, ter acontecido na vida real, a sensação é de incômodo. E, nesse caso, Them faz questão de evidenciar isso a todo tempo, quando explora a fundo traumas raciais e como a crueldade pode ser presente mesmo em cenários bonitos, coloridos e floridos.
Them e o contexto histórico
Considerando o cenário histórico, as leis de Jim Crow possibilitavam atitudes e demonstrações racistas a partir do soerguimento dos Estados Unidos no pós Guerra de Secessão (1861-1865), e que perduraram ainda por diversas décadas. Isto é, o que, hoje, seria um crime inafiançável, há menos de cem anos era possível. Com o pesar das circunstâncias, os Emory ainda precisavam lidar com traumas pessoais, cada um, à sua maneira. E, especialmente no que tange à Lucky Emory (Deborah Ayorinde) o seu trauma foi o mais repugnante, sendo o cerne de todo o enredo.
Assim, Them tem como carro chefe suas duas frentes narrativas: o terror psicológico atrelado ao reflexo do que é o racismo e de como ele pode se evidenciar. O que sobra, para o espectador? Raiva e repulsa, muito porque o roteiro, apesar de ambientado nos anos 50, igualmente evidencia o que existe até hoje.
Vale à pena assistir?
Apesar do sentimento carregado e da sensação pesarosa que a série nos deixa, o desfecho é revelador e quiçá catártico. Claro, é um final deveras violento, mas é como se a violência fosse a única maneira de justificar tudo o que os Emory passaram. Sobre essa sensação, as produções de Jordan Peele e as séries Lovecraft Country e Handsmaid’s Tale também não deixaram a desejar, apesar da carga aviltante.
Pessoalmente, a série levantou certos medos e memórias não desejáveis. Eu não esperava o que poderia assistir, tanto que não tive estômago para certas cenas. E, sobre isso, vale ressaltar que a série também não tem sido recomendada por diversos escritores e influencers negros. Isso porque, para eles, retratar a crueldade em razão da cor da pele (em demasia) como feito na série, beira ao desproporcional e pode gerar um efeito muito mais incômodo do que o esperado. Ou seja, não precisaria explorar a violência explícita para que todos tenham noção de como os negros se sentem diante de manifestações discriminatórias.
Por fim, Them mostra bem como se faz um bom terror psicológico. Mas ela assusta mesmo quando mostra o quanto a realidade ainda é racista.