Não! Não Olhe! é mais uma produção inesquecível de Peele
Não! Não Olhe! Prometia uma vibe similar a Sinais, mas como sempre Jordan Peele se superou e conseguiu entregar um filme completamente original e memorável. Ainda que tenha, sim, se inspirado em outras obras, o longa mostra a que veio entregando uma experiência tão estranha quanto instigadora.
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É tipo Corra então?
Praticamente todo mundo com quem conversei me fez essa pergunta e não, por mais que Peele mantenha sua essência, Não! Não Olhe! tem sua própria cara e identidade. Ainda tenho um apreço maior por Corra, mas comparar as duas obras não é exatamente justo, já que tem propostas e estilos diferentes.
Se posso dar uma dica, não se prenda a nada que Jordan fez antes, apenas se entregue a experiência do novo filme, beleza? Prometo que você não vai se arrepender, já que do início ao fim Não! Não Olhe! entrega uma trama arrebatadora repleta de mistério, desconforto e crítica social.
Se não é tipo Corra, o que devo esperar então?
Em resumo, após o pai de OJ e Esmerald morrer atingido por objetos vindos do céu, a dupla herda o rancho, onde tudo isso aconteceu. Ao contrário do que eles esperavam, os eventos bizarros e um tanto inacreditáveis não param por aí e cabe a eles lidar com isso.
Interpretados com maestria por Keke Palmer (True Jackson) e Daniel Kaluuya (Corra), apesar de muito diferentes, os dois irmãos têm algo em comum, a necessidade de se provar, seja como profissional, ou como pessoa. Sentimento esse que não é exclusivo da ficção, na verdade, ele é parte quase inerente de todos nós, todo, ou pelo menos quase todo, ser-humano quer se sentir pertencente e merecedor.
É dessa premissa comum a todos nós que somos convidados a conhecer nossos protagonistas, entender o que os motiva e o próprio enredo. A falta e o desejo de pertencimento de cada um deles em frente ao mundo preconceituoso e superficial de Hollywood completa o suspense angustiante e desafiador que o diretor propõe. Mais que criticar a realidade, Jordan Peele busca mais, procura o reconhecimento e o acerto de contas que já deveria ter vindo há muito tempo.
E como vem esse acerto de contas?
Em primeiro lugar, o objetivo dos dois é provar o que está acontecendo e receber algum tipo de crédito por isso. Ainda que a situação vá se tornando cada vez mais arriscada, nenhum dos dois recua. Não para ganhar dinheiro, ou qualquer coisa do tipo, mas para contar um momento marcante da humanidade da perspectiva deles. Uma reparação por terem sido apagados de tantos outros.
Se havia dúvida sobre isso, Peele deixa claro o recado ao discursar por Esmerald sobre o jóquei americano que teve sua negritude apagada do primeiro registro de fotografias em movimento, no século XIX. Esse é um exemplo entre muitos que estabelece tanto as motivações dos personagens quanto a importância do filme no contexto social que vivemos.
Ao contrário do que o instinto de segurança os dizia, os irmãos se veem inspirados a olhar, realmente enxergar o que está acontecendo e testemunhar para o mundo, que nem tudo é o que parece.
O que mais devo esperar do filme?
Sem medo de deixar pontas soltas, Não! Não olhe! nos manda um recado sobre nossas falhas, especialmente sobre nossa humanidade frágil e mortal. Vivemos o dia a dia como se fossemos os donos do universo quando, na verdade, somos tão mortais como qualquer outro animal.
Enfim, agimos como se tivéssemos todo o tempo do mundo a ponto de nos colocarmos em situações de perigo em troca de coisas que são muito menos importantes que estar vivos. Essa necessidade de se provar o tempo todo, de registrar tudo que se vive, se mostra perigosa e irracional. Dispostos a morrer para provar que o que fizemos foi importante ou que realmente vivenciamos alguma coisa, mas do que isso importa se não estivermos vivos?
Essa fragilidade vem à tona em variados momentos, seja na morte do pai deles ou em um caso terrível de violência em uma série de TV, nossa mortalidade é exposta sem medo e somos convidados a nos questionar: por que seguimos vivendo como se nada pudesse acontecer conosco?
Será que estamos realmente dando prioridade ao que realmente importa? A nossa saúde, os momentos que importam, ou estamos só vivendo para provar ao mundo de que existimos e somos importantes? Ainda que isso seja relevante, diante da mortalidade, será que é mesmo tão importante?
Talvez não haja uma resposta para essas perguntas, consequentemente, Peele não perde seu tempo tentando respondê-las, mas usa disso para construir uma narrativa gradativa e extremamente perturbadora. Sem pressa, o filme desenvolve um enredo tão instigante quanto incômodo, como se nos mandasse constantemente olhar para a parte que mais odiamos de nós mesmos.
Nem toda essa angústia é construída dentro do rancho, próximo a ele existe um parque de diversões temático do velho oeste. Criado por um antigo ator mirim, o lugar é exemplo da exploração do entretenimento. Lá até a exploração de tragédia é algo válido se for trazer algum tipo de retorno financeiro.
Desse modo, se aproveitando de como somos seduzidos pela desgraça alheia, Não! Não Olhe! crítica a exploração midiática em busca de lucros enquanto nos lembra que somos tão mortais quanto aqueles que assistimos. No filme, descobrimos que algumas pessoas pagam rios de dinheiro para consumir a tragédia alheia, apesar desse caso ser ficção, não está tão distante do que acontece na vida real no turismo de tragédia, por exemplo.
Não! Não Olhe! vem nos fazer refletir sobre a nossa proximidade com as vítimas. Já que no fim poderíamos facilmente ser uma delas, e se esse fosse o caso, será que gostaríamos de ver nossa vida exposta e explorada como um objeto?
É mesmo um filme de suspense?
Seu ritmo não é nem lento e nem rápido, Peele busca construir seus personagens e universo muito bem antes de nos explicar o que realmente está acontecendo. Sempre com um tom de suspense, o mistério é construído pouco a pouco. De forma que nos sentimos parte dessa investigação em um roteiro que faz questão de gerar mais perguntas do que respostas. Isso poderia ser irritante, mas da forma que foi feito funcionou, talvez não com o fôlego de Corra, mas de uma forma instigante e original para si própria.
Assim, entrega um filme gradual, atento a unir os pontos e construir uma narrativa que nos prenda a experiência. Não só por seu roteiro, mas pela união de variadas frentes da música a fotografia tudo se encaixa, criando uma atmosfera de angústia e estranheza que faz difícil para quem vê tirar os olhos da tela.
Um dos principais responsáveis pela construção dessa experiência é o som, que é tão bem trabalhado que nem mesmo fechar os olhos consegue desfazer a sensação de medo que o filme consegue deixar.
Não é um pavor construído por sustos ou cenas apavorantes, Não! Não Olhe para cima! nos atinge onde somos mais frágeis, na nossa mortalidade, insegurança e necessidade de nos provar merecedores. E ainda que tenha alguns furos, isso não é tão relevante já que a experiência que ele cria fala bem mais alto que pequenos detalhes.
3 Comentários
Eu simplesmente amei esse filme e essa crítica descreveu tudo que senti e pensei assistindo. 👏🏼👏🏼
Simm tantas reflexões, né? Amei e ficou na minha mente por semanas. Peele acertou mais uma vez apesar de muita gente estar falando o contrário.
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