Notícias Populares, nova série do Canal Brasil, revive o caos e sensacionalismo dos anos 90
Notícias Populares, a nova série do Canal Brasil, estreou recentemente, nos transportando sem medo para realidade caótica e sensacionalista dos anos 90. Parece interessante, não é? E ainda tem mais, o enredo do seriado, embora fictício, traz como pano de fundo um jornal muito real e extremamente popular daquela década.
Para quem não se lembra ou não vivenciou o período, o jornal ‘Notícias Populares’ era conhecido por seu sensacionalismo e por suas matérias absurdas. Ao nos depararmos com isso, é impossível não lembrar da nossa luta constante contra as fake news. E olha, pode até parecer inacreditável que um jornal tão peculiar assim tenha existido, mas existiu. Por isso, discutir em uma série é tão importante; precisamos, mais do que nunca, revisitar nossa história para não cairmos nas mesmas armadilhas.
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Qual era o objetivo do Jornal NP?
Publicado de 1963 a 2001, o jornal circulava em São Paulo e apesar de pertencer ao Grupo Folha, buscava alcançar um público bem diferente. Por ter como audiência o povão, o jornal nunca foi bem-visto pela classe jornalística. Com uma linguagem simples, direta e sem suavizações, a proposta do periódico era falar com aqueles que antes não consumiam jornais.
Embora a ideia fosse genial, já que existia uma demanda e necessidade para isso, o NP tinha um problema muito sério. Ao contrário dos outros jornais, as Notícias Populares não seguiam uma linha de investigação e verificabilidade, qualquer depoimento ou acontecimento poderia virar notícia, mesmo se aquilo não fosse realmente verdade. Se isso já é ruim quando feito para um público instruído, imagina no caso do Brasil dos anos 90, onde muitas pessoas não tinham o conhecimento para discernir a notícia da mentira. Seu irônico slogan, “Nada mais que a verdade”, vem mostrar que informar nunca foi bem o objetivo desse periódico.
O que realmente importava eram as vendas, se com uma suposta notícia, mesmo que duvidosa, fosse possível vender ela era considerada válida. Pode até parecer algo irrelevante, mas fala isso para os palhaços que pararam de conseguir empregos por conta das notícias do “Bando dos Palhaços sequestradores de crianças” que circularam nos anos 90.
Para chamar a atenção do público valia tudo: fake news e até fotos chocantes. Nem mesmo os queridos Mamonas Assassinas foram poupados, já que o veículo optou por expor fotos chocantes dos corpos após o acidente. Não é de surpreender que muitas pessoas já criticassem o jornal na época, dizendo que, se torcesse o NP, escorreria sangue.
Essa sede de atenção não era sem motivo; como o jornal não tinha assinantes, dependia exclusivamente das vendas diárias para se manter e lucrar. Apesar de todas essas ações serem questionáveis, elas funcionavam, levando muitas pessoas movidas pela curiosidade a comprarem o jornal.
Mas o NP era mesmo de todo ruim?
Não, apesar das muitas críticas que pairam sobre o jornal, o NP se destacou positivamente em alguns aspectos. Foi, por exemplo, um dos primeiros jornais a ter uma coluna LGBTQIAP+ e também contava com mais profissionais negros e mulheres na sua redação que muitos outros jornais.
Sendo assim, a série não apenas critica os aspectos negativos, mas também celebra os positivos que fazem do Notícias Populares um jornal extremamente brasileiro: caótico, contraditório e diverso.
Qual o enredo da série?
A primeira coisa que vale dizer é que apesar da série usar como referências notícias marcantes do jornal, como o “Bando do Palhaço” e os “Treme-Tremes” do centro de São Paulo. Tanto os personagens como a sequência de acontecimentos é ficcional e qualquer semelhança com a realidade é só coincidência.
Até mesmo a protagonista, Paloma (Luciana Paes), nunca existiu e sua trama não passa de uma narrativa fictícia utilizada para apresentar o jornal para o público de hoje. O seriado se passa no início dos anos 90 quando, em meio a uma crise de vendas e críticas ao seu conteúdo sensacionalista, a Folha teria convocado uma jornalista com experiência no exterior para renovar o NP.
Claramente fora de lugar, Paloma precisa lidar com seus próprios preconceitos e entender a essência do Notícias Populares antes de tentar modernizá-lo. Não que isso seja fácil, já que sua própria equipe não acredita nela de primeira, seus editores a boicotam porque não acham que ela realmente entenda o jornal e isso não é mentira, visto que ela passou os últimos oito anos na Europa. Afinal, como alguém que mal entende o contexto do Brasil pode ser chefe de reportagem de um jornal como esse?
A dúvida da sua equipe é compreensível e as dela também, que se questiona como gerenciar um jornal como esse mantendo sua ética. De primeira parece impossível, mas no fim ela encontra uma espécie de equilíbrio. Enfim, é quase como se Paloma nos representasse como público, de primeira tudo parece inacreditável, porém depois é possível enxergar até o lado bom do jornal. Pois, apesar dele explorar demais, também abre espaço para notícias que dificilmente sairiam em um jornal tradicional, mas que também importam, como crimes contra prostitutas e presidiários. Tudo isso com uma ambientação fantástica que merece todo e qualquer elogio.
Como foi esse processo de adaptação?
Criada por André Barcinski, jornalista e roteirista, que chegou a trabalhar no NP, e pelo cineasta Marcelo Caetano, a série Notícias Populares é claramente resultado de uma pesquisa histórica muito bem feita. Durante a coletiva, a equipe compartilhou que pesquisaram mais de mil exemplares do jornal para escolher as notícias mais marcantes para conduzir a trama. Definitivamente deve ter sido uma missão muito difícil, mas eles conseguiram e entregaram um material peculiar, crítico e divertido de assistir.
Da parte visual a comportamental, a série conseguiu trazer uma realidade muito distante de volta. A redação do NP, por exemplo, que infelizmente já não existe mais do jeito que era, foi fielmente reproduzida pela Equipe de Arte. Pra vocês terem uma ideia, eles pintaram cada pastilha colorida da parede com o tom amarelado para ficar o mais próximo possível de como era.
“Tivemos um trabalho grande de pesquisa no acervo de fotógrafos, repórteres, editores e da ‘Folha’. Ainda existem muitos objetos guardados que foram aproveitados”
Diretor Marcelo Caetano em Coletiva para a Imprensa.
Praticamente tudo o que você vê na série, apesar de muito ser cenográfico, é inspirado na realidade. Seja as fotos de mulheres peladas na parede, que realmente decoravam o ambiente da redação, ou até mesmo as máquinas de escrever que marcam presença, já que o NP costumava estar sempre atrasado tecnologicamente.
Até mesmo o caos diário da redação com suas gritarias, presença de leitores e acontecimentos loucos é muito bem contextualizada na narrativa, tornando a trama mais cômica e cativante. Enfim, toda a ambientação foi pensada com muito cuidado, dos figurinos aos carros, foi como viajar no tempo e viver pela primeira vez no meu caso, a experiência caótica que devia ser trabalhar na redação do Notícias Populares. E olha que, não, a ambientação não é a única coisa que faz o seriado valer a pena.
No que mais a série Notícias Populares acerta?
Muitos aspectos da série Notícias Populares merecem destaque, mas a forma como utilizaram as notícias para conduzir a história é, sem dúvida, um dos mais notáveis. Em cada episódio somos imersos em uma notícia que marcou a época, ao mesmo tempo que somos apresentados aos contextos e personagens que poderiam estar envoltos nela. Isso nos permite tanto entender o contexto social da época quanto pensar criticamente sobre o assunto.
A escolha de uma personagem como Paloma para conduzir a narrativa, que é séria e não faz parte desse universo, é uma sacada muito perspicaz. Pois, como Luciana Paes contou na coletiva, a personagem vem pra contrapor a opinião dominante da redação, que é em grande parte masculina. Sua missão ali é questionar e provocar as mudanças necessárias, mas até ela se vê seduzida pelo ambiente do NP em certo ponto. É fácil se deixar levar pelo fluxo que já existia no jornal, deixando de enxergar todas as consequências diretas desse tipo de jornalismo, como o surto coletivo que as notícias do “Bebê Diabo” provocaram na população.
O mais louco é que, ainda que esteja representando um jornal que não exista mais, não é difícil identificar essas características em muitos jornalistas de fofoca, como a falta de empatia pelas carreiras e vidas que podem ser destruídas por publicações irresponsáveis. Essa conexão com o nosso tempo faz do seriado ainda mais relevante. Será que não estamos financiando esse tipo de jornalismo ao dar nosso tempo a programas sensacionalistas ou instagrams de fofoca por aí? Fica a reflexão.
A Diversidade e a Série
A diversidade do elenco é um destaque importante, como o jornal Notícias Populares era conhecido por ter repórteres e uma equipe mais diversa. Essa inclusão surge de forma natural, mas também com uma pegada diferente. Marcelo Caetano, o diretor, não queria apenas personagens diversos para se manter fiel a realidade do jornal, seu objetivo era encontrar novos talentos e trazer novos rostos.
Com isso, tivemos o prazer de ver carinhas novas contracenar com nomes já conhecidos, e que inclusive também tiveram a chance de explorar um novo lado. A própria Luciana Paes saiu um pouco dos seus papéis usuais, interpretando uma personagem menos caricata, o que foi bem legal de ver.
Da Abertura ao Elenco: Verdadeiros Pontos Altos
Além disso, vale também deixar um elogio para a abertura, que consegue nos impactar sem deixar de ter um visual muito bonito. Ver as notícias do NP ali é ótimo, pois nos permite entender ainda mais sua identidade. Isso sem falar da crítica social de literalmente fazer escorrer sangue de um jornal que em sua história vivia para noticiar e, de certa forma, até incentivar a violência.
Por último, é a vez de elogiar o elenco, que claramente levou a sério o trabalho e que entregou em sua maioria ótimas atuações. Uma que merece uma menção para lá de honrosa é Ana Flávia Cavalcanti, que interpreta Greta, uma repórter negra muito talentosa e extremamente irreverente. Suas cenas eram sempre fantásticas, poderia inclusive ter participado mais!
Outros nomes que se destacam são Tuna Dwek (Aldenora), Clayton Mariano (Hélcio), Verónica Valenttino (Sandra Bocão) e Bruna Linzmeyer (Rata), que apesar de ser só uma participação, rouba a cena nos últimos episódios. Enfim, nos fazendo rir de nervoso e invocando a vergonha alheia pelo nível de absurdo dessas reportagens.
Vale dizer também que tem uma razão para o elenco se destacar tanto. Com personagens carismáticos e peculiares, através deles somos capazes de realmente conhecer as nuances do jornal. De Greta, repórter de variedades, a “Foca”, o jornalista novato, cada um tem uma função na trama. Seja apresentar o contexto da época, um grupo específico, ou uma classe, todos eles fazem isso muito bem.
Vale a pena ver?
Super indico, se você é daqueles que ama ironia e sarcasmo, vai super se interessar por como a série consegue trazer isso tanto na sua trama quanto nos seus diálogos. Notícias Populares é engraçada, absurda e bem divertida, sem deixar de lado as críticas sociais. Um dos pontos mais atrativos é como a série não se leva a sério, o diretor não tem medo dos excessos já que nada é mais NP que o absurdo e isso pode até parecer uma loucura, mas funciona muito bem.
Com um roteiro bem amarrado, você talvez se incomode por a sequência não ser tão linear como estamos acostumados. Como o objetivo do diretor era transmitir a sensação de ler o jornal, em alguns momentos fica a impressão que alguns temas passam superficialmente e não são realmente aprofundados, o que realmente acontece em jornais pela limitação de espaço. Mas que pode incomodar quem curte histórias mais densas, como é meu caso.
Apesar disso, ainda recomendo assistir, pois mesmo não se tornando minha série favorita, definitivamente valeu a pena conhecer um pouquinho mais da história do Brasil. A série ainda deixa um gostinho de quero mais no final do sétimo episódio que permite, caso queiram trazer uma segunda temporada da série. Ficamos na torcida!
Quando e onde ver?
Notícias Populares está sendo exibida pelo Canal Brasil toda sexta-feira às 22h30. Suas reexibições acontecem toda terça às 21h45, nas madrugadas de quarta para quinta, à 0h; e nas segundas, às 2h15. Ademais, é possível acompanhar Notícias Populares pela Globoplay + Canais. E aí, tá esperando o que para começar a assistir?
Com sete episódios de aproximadamente 40 minutos, se prepare para explorar notícias completamente insanas e explorar o caos que foi viver os Anos 90!
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