Por que a adaptação de Teto para Dois decepciona?

Bem, existem algumas adaptações que não fazem jus às suas obras de origem, e esse é o caso da adaptação de Teto para Dois, produzida pela Paramount+. Há alguns meses fiz uma resenha do livro e contei o quanto a história me surpreendeu positivamente. No entanto, hoje venho contar o contrário sobre a série.

Essa matéria contém Spoilers

Claro que já havia um pé atrás quando anunciaram a atriz principal. Nada contra ela, mas a personagem, Tiffy, deixa claro a todo instante que é uma pessoa grande, que ocupa espaço e isso incomoda. É uma parte da identidade dela importante no crescimento da história e que já sabíamos que não estaria.

Entretanto, se fosse só isso, dava para superar, mas há muito mais!

Perda de essência

Como disse acima, além de se denominar grande, ela é espalhafatosa. Suas roupas para qualquer outra pessoa não tem sentido, mas ela gosta dessas combinações e estilos, e isso faz dela única. É uma parte sobre ela que está presente o tempo todo, algo que ela vai reconquistando ao longo do enredo. É algo interessante de se acompanhar no livro, e que foi trazido para tela de forma muito superficial e diferente.

Além disso, Tiffy está quebrada, ela viveu tanto tempo numa relação abusiva que não sabe nem quem é mais direito e fica esperando pelas migalhas, que foi condicionada a aceitar. Ela não está querendo superar um chifre com um novo namorado como a série demonstra às vezes.

Enquanto isso, Leon é um antissocial com um passado familiar complicado. O amigo mais próximo que ele tem é uma de suas pacientes de 12 anos, isso porque ela cavou essa amizade, já que seus problemas de relacionamento vem por ele não conseguir se abrir. Talvez, em outro contexto, algumas dessas mudanças poderiam funcionar, mas todas elas juntas tiraram a essência dos personagens e, por consequência, da trama.

Tratamento sobre o trauma de uma relação abusiva

Uma das melhores coisas de Teto para Dois, e que queria ver na adaptação, era a superação de Tiffy.

Ao longo do livro, ela vai entendendo que Justin não é bom. Já no começo ele a expulsa de casa, porque está noivo de outra pouco tempo após o término deles, e a ignora depois. Pelo menos até achar que está perdendo o controle dela, aí ele volta a surgir em lugares que ela está como se fosse destino, para a deixar confusa.

Fora que a editora vai reconhecendo e tendo memórias do gaslighting que ele praticou com ela por anos. Como, por exemplo, sumir com peças de roupas dela que ele não gostava e dizer que ela havia doado para assim controlar o que ela vestia, fazê-la duvidar da própria memória e mantê-la dependente dele.

Nessa nova situação de vida, ela ganha espaço para pensar e, com ajuda dos amigos, procura auxílio psicológico para superar esse trauma. Na série, é retirada toda a profundidade dessa situação, as manipulações que até mesmo a faziam duvidar da sua sanidade de forma sutil, se transformam em um pé na bunda e um ex-canalha. Essa é só uma das coisas que faz assistir à série ser completamente decepcionante!

Amizades fracassadas

Tiffy tem alguns amigos que são sua rede de auxílio do começo ao fim da obra. Eles são: Mo, um psicólogo que é a maior ajuda com o trauma; Gerty, uma advogada bruta e amiga leal; Rachel, a colega de trabalho que, apesar de meio doidinha, a incentiva; e até mesmo Katheryn, a escritora administrada por Tiffy que a tira de sua zona de conforto.

São personagens secundários que se desenrolam ao redor de Tiffy, como o estouro da carreira de Katheryn e o romance de Gerty e Mo, revelado para nós só ao fim do livro. Na série, há uma mudança na carreira de Tiffy, então Katheryn não existe. Assim, como sua relação com Rachel é totalmente alterada, mas falarei disso num próximo tópico.

Enquanto isso, Gerty, que se chama Maia não sei porquê, não tem mais paciência para a amiga e está tão envolvida com sua pegação com Mo, que simplesmente a ignora. Claro que é exaustivo ser o porto seguro de alguém quebrado, no entanto, apesar de Gerty ter sempre sido dura com seus posicionamentos, ela não deixa a amiga na mão, mas Maia parece simplesmente não se importar com Tiffy. Ela afirma não aguentar mais ouvir esta falando de Justin, mas não se preocupa com nenhuma outra área da vida dela.

Rivalidade feminina

Enquanto a Rachel do livro, apesar de não ser a melhor conselheira, é uma boa companheira, já a Rachel da série tem uma rivalidade com Tiffy. No livro, as duas trabalham para uma editora onde cada uma tem seus próprios clientes e nenhuma vontade de ser superior a outra.

Já na adaptação de Teto para Dois, as duas são jornalistas de um site em crise, onde a qualquer momento alguém será demitida. Rachel parece não gostar das chances que sua colega recebe e mexe num trabalho de Tiffy com a desculpa de ser melhor para a empresa, mas modifica tudo que a outra queria falar com aquela matéria e ainda expõe coisas pessoais que havia lhe sido contada na amizade. Além disso, apesar de ser uma lésbica casada, demostra ciúmes do sucesso que a “amiga” esta fazendo num site de namoro, enquanto sua xará do papel apoiava, principalmente, Tiffy a namorar.

Mas não só com Rachel que criaram uma rivalidade feminina que não existia, Kay, a namorada de Leon, foi outra vítima. É compreensível ela ter ciúmes e receios de Tiffy, afinal há uma mulher dividindo a cama com seu ausente namorado. No entanto, entrar no apartamento escondida para atrapalhar a comunicação dos dois, espiar a gaveta de calcinhas de outra mulher e a denominar vadia por isso… ah, não podemos esquecer de entrar novamente para confrontá-la sem ter uma justificativa para isso, é absurdo.

Apesar de nunca ter gostado de Kay, ver transformarem uma mulher em uma louca sem necessidade não é coisa agradável de se ver. Ainda mais quando a história se trata exatamente disso.

Talvez para quem não sabia nada da história do qual foi inspirado possa aproveitar como um simples romance água com açúcar, com uma premissa divertida de uma só cama e post-its de comunicação. Mas os que leram o livro vão se decepcionar e mal reconhecer a obra nos personagens tão modificados e rasos.

Concordam comigo que a adaptação de Teto para Dois fracassou ou tem uma opinião diferente? Me conte nos comentários!