O Passado, a Memória e a História em Forrest Gump
Forrest Gump é um sucesso atemporal. O filme mudou a nossa percepção sobre o que é passado, memória e história, ou pelo menos como imaginamos que seja. Dessa maneira, a partir dos ensinamentos de Forrest, lembrar não significa necessariamente reconstruir nos mínimos detalhes, já que podemos ser traídos por aquilo que achamos ter vivido. Quando, na realidade, apenas fantasiamos ou criamos a partir da nossa imaginação criativa.
Confuso, né? Bem, talvez um pouco. Não é à toa que tantos estudiosos voltaram suas pesquisas para esse lado da nossa memória.
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Jung: Memória e (In)Consciente
Segundo Jung, não apreendemos o mundo e a vida na sua essência, e a realidade é tão somente uma interpretação daquilo que conseguimos compreender pelo nosso Ego, que é o gestor e intermediário entre corpo e mente, entre consciência e inconsciente. Em outras palavras, há uma diferença entre o que é ôntico (a manifestação de algo) e o ontológico (a natureza em si), que formam a chamada “imago” (a imagem mental e afetiva que fazemos de algo, não a coisa efetivamente).
Por isso mesmo, não podemos confiar 100% em nossa psique (mente), pois somos vítimas de nossas próprias memórias, sejam elas verdadeiras ou não. Sendo assim, os acontecimentos podem ser o que foram, ou aquilo que imaginamos ter sido. Ou seja, nossas memórias podem ser apenas uma forma de satisfação do nosso desejo de recordar (ou de esquecer).
Aliás, eis a definição de consciência: aquilo que passa, obrigatoriamente, pela experiência do corpo e pelo crivo da razão. Desse modo, o que não nos serve, varremos para debaixo do tapete da repressão. E esse conteúdo, se não ressignificado ou trazido à superfície, torna-se um complexo, uma sombra, um stalker interno por assim dizer.
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Pelos Olhos de Forrest
O passado na trama é refeito de maneira pessoal, ingênua e limitada, em uma tentativa de reconstituição da história por meio dos sentidos, sentimentos e pensamentos. Desse modo, a cada narrativa contada, nos surpreendemos com a participação do personagem em praticamente todos os grandes momentos da história.
A História “Oficial”
O surgimento do fenômeno Elvis Presley, o Movimento Hippie e Panteras Negras, a criação da Apple, foram alguns dos momentos “vividos” por Forrest. Provavelmente, ele não vivenciou todos, há sempre o benefício da dúvida, mas a maneira como ele conta nos convence do contrário. No filme, isso até irrita outras pessoas que pararam para ouvi-lo, pela naturalidade, sincronicidade e riqueza de detalhes.
E vejam: tal visão ou simbolismo aparece também como plano de fundo em narrativas mais recentes, nas quais se busca preencher o vazio da possibilidade do “e se?”. Por exemplo, heróis que participaram da 1ª e 2ª Guerras Mundiais, pessoas que viajaram no tempo e alteraram ou foram testemunhas dos acontecimentos, pequenas intervenções nas linhas do tempo, tudo isso surge como alternativa à Grande História Oficial.
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Passado e Tempo
Antes, acreditava-se na teoria de que o tempo era linear e poderia ser dividido em pequenas porções compartimentadas, as quais nomeamos como presente, passado e futuro. Assim, segundo essa visão, o passado é aquilo que já aconteceu e não existe mais, porém ainda guarda certos resquícios de sua existência na memória.
Einstein foi um dos pioneiros na física moderna a deduzir isto: tempo e espaço seriam apenas ilusões, e tudo se trata de meras possibilidades. Segundo ele, o tempo é circular e controlá-lo seria apenas uma questão de desejo de poder experimentado pelo ser humano. Jung também o fez, dentro de uma perspectiva psicológica: trouxe-nos a percepção de que nada efetivamente se perde, desaparece ou se desintegra totalmente, isto é, há sempre um rastro deixado por aquilo que nos acostumamos a chamar de “passado”.
Quanto Tempo Tem(os)?
Não é difícil crer em reconstruções de passado e memória tão enviesadas por um ponto de vista subjetivo, por isso a vida e a existência são feitas de ciclos e quase tudo o que já foi, um dia, será novamente. Logo, o presente é apenas uma versão de um passado, que também pode se tornar uma versão de um futuro, e tudo está conectado.
Sabemos realmente contar com o que passou e o que é experiência? Ou cada tentativa de contar a história é apenas uma versão à nossa maneira? A parcela da nossa memória pessoal está incluída também na memória coletiva da humanidade, e vice-versa?
Então, será que todos somos, em parte, uma espécie de Forrest Gump? Enfim, fica a reflexão. Aproveita e comenta aqui o que pensa sobre isso!
Vinícius de Lacerda é formado em Letras e professor de língua portuguesa. Atualmente, é pós-graduando em Psicologia Junguiana, poeta, compositor e redator.