Ainda Estou Aqui é tapa na cara para quem ainda defende a Ditadura
Ainda Estou Aqui estreia na próxima semana, dia 7 de novembro. Se você ainda não colocou ele na sua lista, faça isso quanto antes. Sob a direção impecável de Walter Salles (Central do Brasil), a obra foi escolhida pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar. A escolha não surpreende: o longa recebeu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza e vem sendo amplamente elogiado pela crítica internacional.
Toda essa atenção não é à tona. Esse é um daqueles filmes com quê de mandatório, sua trama forte e extremamente triste nos lembra de algo que não podemos esquecer. Nele, conhecemos a história de Rubens (Selton Mello) e Eunice Paiva (Fernanda Torres), duas das tantas vítimas do Regime Militar no Brasil.
Baseado no livro escrito por Marcelo Rubens Paiva, filho dos dois, o longa-metragem se destaca por como todos os seus elementos trabalham em conjunto para potencializar a trama e os sentimentos dos seus personagens. Da fotografia às interpretações, ambientação, montagem e trilha sonora, tudo conversa entre si e cumpre seu papel sem roubar a cena do outro. Nos entregando uma dualidade de sentimentos: a alegria da vida antes dos acontecimentos e a angústia do depois.
Sendo assim, fica a dica, assista assim que possível — você não vai se arrepender. Seja você um cinéfilo ou alguém que raramente vai ao cinema, garanto que a experiência será boa e impactante do mesmo jeito.
O que preciso saber da trama antes de ver?
Ambientado no começo dos anos 70, o Brasil vive o endurecimento da Ditadura Militar. No foco dessa história estão os Paiva: Rubens, Eunice e seus cinco filhos. De início o que vemos é uma família feliz, que vive no coração de Copacabana, com a porta sempre aberta para os amigos. A casa deles tem sempre música, dança e muita alegria.
Ainda que a Ditadura esteja sempre presente, é só quando Rubens é levado para um depoimento que ela aparece com todas as suas cores. Ele nunca retorna e a busca pela verdade vira então a luta de Eunice, que precisa se reinventar para construir um novo futuro para a sua família.
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Por que vale a pena assistir?
Difícil seria dizer porque não, mas topo o desafio. A primeira coisa que quero ressaltar é o potencial dele de conversar com muitas pessoas que não acreditam ou que defendem que o Regime Militar não foi tudo isso.
A maneira como essa história é contada via perspectiva familiar, mostrando como um pai e marido foi arrancado da sua casa, dá um tom pessoal e diferenciado a esse longa-metragem Desse modo, um dos seus maiores potenciais é sua capacidade de fazer muita gente perceber que a sua vivência tranquila no período não desmente a terrível de outros.
Além disso, o filme é uma ótima maneira de apresentar esses acontecimentos a novas e velhas gerações, que talvez ainda não soubessem o que aconteceu. Pois, ainda que Rubens Paiva tenha uma estação de metrô com seu nome no Rio, muitos não sabem quem foi ele. Sendo assim, resgatar essa história fortalece nossa memória social e nos prepara, como sociedade, para evitar que tragédias semelhantes se repitam.
Está no mesmo nível de Central do Brasil?
Por último, é impossível não mencionar a qualidade técnica e de storytelling da obra. Nenhuma categoria rouba a cena, pois todas estão ali para melhor construir a trama.
A trilha sonora com músicas, como Take Me Back To Piauí, de Juca Chaves e É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo, de Erasmo Carlos, por exemplo, ambientam muito bem o período, transmitindo os sentimentos específicos de cada parte da narrativa. O mesmo pode ser dito do trabalho de ambientação, figurino e fotografia que se encaixam perfeitamente com a proposta.
A direção de Walter Salles, por sua vez, é certeira e sensível como deve ser. Seja na escolha de enquadramentos ou na decisão criativa de contar parte dessa história em cenas de uma câmera da época, simulando uma gravação real da família. Tudo isso constrói no espectador uma sensação de familiaridade e empatia essencial para nos conectarmos genuinamente com a narrativa.
Ainda que seja completamente diferente de Central do Brasil e uma obra única, para os fãs desse posso adiantar que vemos a mesma sensibilidade e nível de qualidade. Quem se encantou com Central do Brasil vai novamente se impressionar com o trabalho impecável de Walter Salles de contar histórias difíceis de lidar, fundamentais para nossa identidade como sociedade. Se em um vemos a bruta realidade da migração social nordeste e sudeste, no outro encaramos a crueldade de um regime autoritário.
Fernanda Torres e o elenco
Com interpretações muito reais e impactantes, o nome que mais se destaca é Fernanda Torres, que conduz a trama com uma força que lembra muito Fernanda Montenegro em trabalhos anteriores. Sua Eunice é sensível e uma fortaleza para os filhos que é muito bem representada. Toda dor, medo, angústia aparece com uma naturalidade brutal que termina de dar o tom para o roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega.
No entanto, ela não é a única a construir essa narrativa. Outros nomes que valem destaque são Fernanda Montenegro, Selton Mello, Guilherme Silveira, Cora Mora, Luiza Kosovski, Valentina Herszage e Bárbara Luz.
Nenhum ator carrega um filme sozinho e cada um dos nomes citados cumpre seu papel para entregar um título especialmente impactante, que talvez nos dê a justiça que não tivemos em 1999. Quando Gwyneth Paltrow ganhou o Oscar de Melhor Atriz por sua interpretação em Shakespeare Apaixonado (1998), no lugar de Fernanda Montenegro, com Central do Brasil.
Ainda é cedo para dizer, mas após assisti-lo, garanto que estamos na disputa. Quem sabe a justiça não venha com Fernanda Torres e Walter Salles discursando ano que vem em agradecimento à vitória na categoria Melhor Filme Internacional, nos resta torcer.
E mesmo se não acontecer, ainda teremos conquistado o mais importante: o impacto de quem assistiu e as reflexões geradas por ele. Se uma pessoa que defendia/defende o Regime Militar se questionar, o longa terá cumprido seu propósito.