Esquadrão Suicida é uma Paródia Hiper-realista da Realidade?
O Esquadrão Suicida, um filme que nasceu rejeitado, excluído, sem esperanças e sem perspectivas – culpa de um passado duvidoso e, no mínimo, que nos fez desconfiar. É no mínimo curioso entender e perceber como a produção atual abraçou a si mesma, a sua essência, transformando-se numa espécie de recomeço.
James Gunn faz jus ao sobrenome: despejou bala para tudo quanto é lado. Não apenas balas, como também ossos, peles, vísceras, cabeças, braços e sangue, muito sangue. Talvez a violência nua e crua, que é esfregada na nossa cara o tempo todo, seja apenas um alerta do diretor/roteirista. Ou seja, a vida é dura e cruel sempre e qualquer um de nós está disposto a morrer por uma causa… Até descobrir que essa causa não tem sentido.
“Por que ratos, papai?”
“Ratos são as criaturas mais desprezadas que existem, meu amor. Se eles têm um propósito, todos nós temos.” (Diálogo no filme entre Ratcatcher pai e Ratcatcher II, a filha).
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Do Que Fala o Filme?
Tentar traduzir em palavras e reflexão a realidade, ou melhor, a hiper-realidade que as mais de 2 horas significaram para mim, é tarefa árdua. Digo isso pois o filme inteiro, num primeiro momento, parece apenas mais um caos cinematográfico cujo plano de fundo é mais uma produção sobre “heróis”. Acontece que O Esquadrão Suicida tem muitas camadas, verdadeiros subsolos, bunkers, criptas de significados e de simbolismo.
Um grupo de excluídos e desencaixados é escolhido (contra a sua vontade) para fazer parte de uma equipe, que será responsável pelo trabalho sujo dos americanos. Todos são ex-presidiários, ou os ditos “vilões” que, diante da sociedade comum, merecem uns bons ou todos os anos numa cadeia. Entretanto, para o governo, são a melhor ferramenta que existe: se alguém não tem mais nada a perder, talvez possa nos fazer ganhar.
A Influência dos EUA
Aliás, esse tem sido o grande plano norte-americano para convencer as pessoas sobre a guerra: se você não serve para o seu país, sirva ao seu país, levando a tão famigerada e piegas ideia de “civilização”, “democracia” e “liberdade”, não importa a que custo. Guerras como a do Golfo ou do Afeganistão exemplificam isso: “vou invadir seu país contra a sua vontade, mas para o seu próprio bem”.
A intromissão e interferência do imperialismo e do capitalismo bélico em outras nações tornou-se uma espécie de manual ou protocolo conhecido, penetrando na mente dos mais facilmente influenciados e rebeldes. É um sistema que premia o objeto, mas desqualifica o sujeito. Além disso, implica sempre numa intenção oculta, seja a de se apropriar de recursos naturais, ou mesmo de dominar o comércio de armas, suprimentos etc.
Qual a conexão de Esquadrão Suicida com isso?
Sob o pretexto de “aliados e/ou inimigos” dos Estados Unidos, um grupo de assassinos, mercenários, doentes mentais e criaturas/aberrações da natureza são os escolhidos para evitar um golpe de Estado numa ilha na América Latina (entenda-se Cuba, ou Venezuela, Bolívia, ou ainda uma distante ligação com o Vietnã). Porém, essa “boa vontade” esconde outros interesses: controlar um experimento secreto, fruto da herança nazista, pendendo a balança a favor ou contra a guerra.
Há uma base secreta na ilha de Corto Maltese, um país fictício que esconde Jotunheim, uma fortaleza construída pelos nazistas e que abriga um segredo: um ser alienígena intergaláctico gigante (um kaiju, utilizando-me do termo mais técnico e conhecido na cultura pop). Esse verdadeiro titã é capaz de controlar mentes e fazer com que massas se tornem verdadeiros zumbis sem propósito. Starro, uma “estrela do mar” abissal, fora encontrada no espaço pelos americanos durante a corrida espacial mas, miseravelmente, foi usada em experiências secretas.
A trama do filme se volta para o envio desse “esquadrão suicida” (afinal, trata-se de uma missão igualmente suicida) à ilha, com o objetivo de impedir um suposto golpe de estado, fato que serve apenas como disfarce para o verdadeiro propósito, que é se apropriar daquela “arma” viva.
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O Que Diz Jung?
Podemos compreender a profundidade da mensagem que se esconde nas entrelinhas: as massas, segundo Jung, são por natureza inconscientes, agem pelo instinto e suprimem o individual, como forma de atender ao apelo coletivo. O inconsciente, a princípio coletivo, é a soma de um simbolismo tão antigo quanto a própria existência, os chamados Arquétipos. São ideais, conceitos ou conteúdos abstratos e comuns a todas as civilizações e povos, que se manifestam em formas de lendas, histórias, mitologia, sonhos, ideais. Enfim, toda uma herança histórico-cultural.
Por outro lado, essa inconsciência também é individual, pois a psique humana, tal qual o universo, possui tantos lugares desconhecidos como o espaço sideral, e acessa o plano/universo maior, traduzindo, em cada época, diferentes pensamentos, movimentos e comportamentos.
Assim, neste mundo particular desconhecido, formam-se os chamados complexos (afetos e sentimentos que ainda não chegaram à superfície da consciência e constelam, ou seja, transformam-se em verdadeiras entidades vivas e autônomas na mente das pessoas). São, por assim dizer, aquela “sombra” que tentamos esconder e reprimir, não apenas do mundo, mas de nós mesmos.
Mas o que os personagens têm a ver com isso?
Essas distorções se materializam e são representadas por cada personagem e membro da equipe: na figura de uma mãe opressora que criou um filho problemático; de um pai que preferia os ratos às pessoas e transmitiu essa filosofia à filha; de um mercenário sem causa, com sérios problemas em criar sua filha; além de uma psiquiatra que trocou de papéis e se tornou uma “paciente”; de um cidadão “de bem e pacífico” que acredita nos fins que justificam os meios; e de um tubarão-humano irracional buscando o seu lugar no mundo.
Anti-heróis ou Anti-vilões?
Cada um desses indivíduos é a pior versão de si mesmos, suas próprias sombras, mas não se enganem: o conceito de anti-herói aqui é substituído pelo de “anti-vilão”. Sim, porque ninguém gostaria de estar ali naquele momento, derramando sangue e matando sem um sentido real; são todos marionetes de um sistema que se justifica pela sua própria existência e caráter duvidosos. Antes de tudo, são armas poderosas nas mãos de quem efetivamente detém o poder: o de interferir na ordem estabelecida em qualquer lugar que não seja território norte-americano.
Starro, O Conquistador, é esse poder além da capacidade humana: um verdadeiro deus (divindade) que caiu em mãos erradas e serviu a propósitos sombrios. É interessante que a criatura se define como um ser que vagava livre no espaço, e que foi capturado contra a sua vontade. Trazido à Terra por humanos, tornou-se objeto de análise e compreensão à luz da ciência materialista. Mas, no fundo, só queria viver em paz.
Talvez isso explique seu principal poder: o de controlar mentes e se alimentar das consciências dos seres. Na condição de ser supremo, não é bom ou mau, apenas segue a sua natureza. E não é assim também com as religiões, que muitas vezes servem aos interesses dos controladores e manipuladores da coletividade e das massas, a dita multidão?
Conclusão (ou não)
Entregues ao caos sanguinário da vida, de um lado somos escravos de nossos pensamentos mais íntimos e que desejamos a todo custo esconder dos outros; do outro, tentamos preencher esse vazio existencial com poder, guerra, conflitos, ou mesmo com uma ideia divina e não saudável que não promete nada, mas a quem oferecemos tudo, inclusive nossa liberdade de pensamento. E no meio disso, os “heróis” e as “heroínas” da vida e do cotidiano, vivendo entre a cruz e a espada, entre a lâmina e o cabo.
Porém, ao final da jornada, os já conhecidos sacrifícios que levam à mudança existencial, à redenção e à transformação íntima. Não significa que, a partir de agora, todo o passado será apagado por compaixão, arrependimento e/ou culpa. Contudo, essa é uma lição que ainda podemos aprender: todos os caminhos se fecham quando estamos no inferno, menos a esperança de continuar caminhando.
Enfim, fico por aqui, mas antes, pergunto: qual outro filme já te fez refletir desse jeito?
Vinícius de Lacerda é formado em Letras e professor de língua portuguesa. Atualmente, é pós-graduando em Psicologia Junguiana, poeta, compositor e redator.
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