Precisamos falar sobre o final da 1ª temporada de Yellowjackets
É engraçado como uma morte já esperada é capaz de nos emocionar e até surpreender, não é? Desde a metade da 1ª temporada de Yellowjackets já sabíamos o que estava por vir, mas ainda assim quando ela veio, eu ainda não consegui acreditar. Não só pela morte em si, mas pela forma que aconteceu, e acho que muita gente deve se identificar comigo.
Embora os acontecimentos já sejam terríveis na superfície, eles podem representar algo muito mais triste e grave. Neste artigo, vamos destrinchar esses acontecimentos. Dito isso, considerem-se avisados que a matéria vai ter spoilers da primeira temporada. Portanto, se você ainda não assistiu, peço por favor que termine a série e leia isso aqui depois para não estragar sua experiência, certo?
Confira também algumas teorias e reflexões: Jackie está realmente morta? | Yellowjackets
Sic transit gloria mundi: Toda glória do mundo é transitória
O nome do último episódio não poderia ter descrito melhor o que aconteceria em seguida. Para quem não se lembra bem do final da primeira temporada, vemos Jackie tentar usar seu poder de Capitã para expulsar Shauna da cabana após uma discussão, só para descobrir que a influência, que ela sempre teve na escola, não vale de nada no mundo pós-queda.
A glória, como a expressão que dá nome ao episódio, é sempre transitória e não é mais dela. Jackie, mesmo como capitã, não conseguiu manter sua influência na floresta porque, ao contrário das outras, ela não conseguiu se adaptar à nova vida.
Em primeiro lugar, ela não tem as habilidades necessárias, o que, a princípio, não é um grande problema, porque nem todas as outras tinham. No entanto, o modo como ela age ao longo dos próximos meses faz com que ela vá perdendo cada vez mais essa influência.
Jackie não é boba e percebe o que está acontecendo ao longo tempo e embora ela não seja muito útil para as colegas no quesito sobrevivência, não dá para dizer que ela não tentou ser útil do único jeito que ela sabia. Seja a festa, ou a sessão de espíritos, Jackie queria voltar a se sentir querida e útil para o time, porém em um mundo sem regras claras, ela não sabe bem como agir.
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O fim de uma era, pode-se dizer, a queda de uma líder
Nesse novo lugar, palavras de motivação, sorrisos e jogos de popularidade não importam e Jackie, que sempre viveu dependente dessa atenção, se vê perdida, sem saber ao certo seu papel, ou mesmo quem realmente é. Ao tirar o ensino médio das outras meninas, elas se adaptam, mas sem as regras da escola, Jackie perde seu propósito.
A Queen B que conhecemos nunca foi real, o que a gente percebe quando presta atenção nas cenas dela sozinha antes da queda. Seja ela claramente desconfortável após ceder para o que Jeff queria, ou tendo que respirar fundo para aguentar mais um dia. É difícil saber o que estava realmente na cabeça dela, mas aquela pessoa positiva e perfeita, claramente não é real.
A questão é que grande parte da sua influência vinha dessa aura de falsa perfeição, do desejo das meninas de ser tão interessante como ela, porém esse tipo de visão só se mantêm de uma certa distância, porque ninguém é perfeito. Muito menos ela, e suas imperfeições ficam bem claras, na floresta.
Cedo ou tarde, todos veem por além do fingimento e o quão chata, insegura e trágica ela pode ser. Como todas elas são, na verdade, as palavras de Shauna poderiam ser direcionadas para qualquer uma, mas tiveram um peso maior para Jackie.
O mais triste de tudo é que sua última atitude como Capitã fazia muito sentido, ainda que ela tenha falado coisas que não deveria, como expor a traição da Shauna na frente de todas. Jackie queria que o grupo refletisse sobre o ato de violência que todos estavam prestes a cometer com Travis no Doomcoming. Tarde demais, ela tentou guiá-las de volta, como Treinador Martinez a pediu que fizesse, mas já era tarde demais.
Mas, será que sua morte foi realmente um acidente?
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Desde que vi o episódio da morte dela, uma pergunta não saiu da minha cabeça: por que ela não voltou para a cabana? Ainda que o grupo não fosse seu maior fã no momento, se ela quisesse, Jackie poderia ter voltado, mas não fez isso. Há quem diga que foi por orgulho, porque não queria se admitir como perdedora da discussão, porém não consigo acreditar nisso. Honestamente creio que foi uma escolha, uma tomada de controle da parte da Jackie depois que tudo foi literalmente pelos ares.
Como citado anteriormente, de todas as meninas Jackie foi a única que não conseguiu se adaptar, não só por preguiça ou por ser mimada, não que isso esteja completamente fora do porquê, mas a verdade é que ela não queria aceitá-las, porque se fizesse isso seria o mesmo que admitir que um resgate nunca viria para elas. Então, ao invés dela concentrar sua energia para aprender como sobreviver, ela se apega à esperança de um resgate que nunca chegou para ela e que levou junto toda sua esperança e essência.
Ela mesma disse a Shauna que não sabia quanto tempo mais ia aguentar essa vida, quando elas estavam há no máximo um mês na floresta, o tempo passou e a situação não melhorou. Muito pelo contrário, a perda de Laura Lee, a integrante do time de maior fé numa explosão nos ares, é irônica e a gota d’água para que ela perca completamente essa esperança e se desfaça como um dominó.
Ela dá sinais, mas não recebe ajuda
Desse momento em diante, ao invés de tentar encontrar maneiras de sobreviver, ela parece se entregar e começa a apresentar muitos sinais de comportamentos suicidas. A perda da confiança na amiga, que sempre foi a pessoa com quem ela pôde contar, após descobrir a verdade sobre a gravidez, serviu para partir de vez o elo tênue que ela tinha com o grupo naquele cenário.
Jackie passa a enxergar a vida como algo sem propósito, fala várias vezes que elas vão morrer mesmo, o que mostra que ela tem pensado muito sobre a morte. Para de se alimentar, como consequência direta disso, pois não vê mais sentido em continuar lutando.
Sua fala para Travis antes de transar com ele é a fala mais honesta da personagem durante toda a série. Ela demonstra ali, e em outros momentos desse mesmo episódio, sentimentos muito intensos de raiva, vingança e um desejo de concluir suas pontas soltas. Transar com alguém para finalizar um dos seus últimos planos antes do acidente, sem se preocupar com possíveis consequências ou quem vai ferir com isso. (Via TCRClínica).
Jackie claramente não está bem e a única coisa que recebe do time é julgamento e humilhação por “ter pegado algo que não era seu”, quando, vamos lá, Travis não é de ninguém além dele mesmo, se ele decidiu ficar com ela, foi porque quis. Embora ela tenha dado em cima dele, o que não é uma atitude muito legal, não é nada que justifique trancar alguém em uma despensa escura ao som de uma frase que já devia estar na cabeça dela há muito tempo: “Você não importa mais”.
Mas, então você tá dizendo que elas tem culpa na morte dela?
Longe de mim culpá-las pelo que aconteceu, todas elas eram adolescentes passando por uma situação traumática, e nenhuma delas diretamente a matou, mas as meninas poderiam ter sido mais empáticas. Pois a dificuldade de adaptação de Jackie ao novo cenário, apesar de autocentrada e egoísta, é absolutamente natural.
Visto que se tem uma coisa que sabemos sobre medo é que existem duas formas naturais de se lidar com algo assim: agir ou paralisar. Jackie paralisou e, a princípio, não teria nada de errado com isso, se elas tivessem vivendo no mundo normal, mas ali não existia tempo para processar sentimentos ou mesmo espaço para discuti-los.
Todas estão passando por um momento extremamente traumatizante, mas ainda assim nenhuma delas fala a respeito. Honestamente, faz muito sentido, se hoje o tema saúde mental ainda é um tabu para muita gente, imagina naquela época, onde demonstrar sentimentos era visto como um sinal de fraqueza. Não existia um espaço seguro de troca, onde as meninas pudessem desabafar, todavia cada uma encontra um novo papel nesse grupo e se mantém ocupada, o que ajuda. Agora, se você não encontra um lugar, o que você faz?
A resposta certa seria dialogar e tentar resolver o problema, mas quase todo mundo apenas se isola. Jackie estava num lugar diferente das meninas, a antiga capitã ficou deslocada e isolada. Não que não tenha sido por sua própria responsabilidade, Jackie deveria ter se esforçado mais, porém a solidão, o trauma e o isolamento podem te levar para lugares muito sombrios e muitas vezes egoístas, te fazendo perder o rumo. Shauna mesmo disse que animar as pessoas sempre foi algo dela, mas como continuar fazendo isso quando você não consegue nem se animar?
Então, era para todo mundo se conformar com ela não ajudar?
Não, de jeito nenhum. Eu entendo o quão irritante deve ter sido um dos membros da equipe não colaborando e sendo um peso morto por tanto tempo, se a gente passa raiva até em trabalho da faculdade, imagine numa situação dessa? Mas no fim do dia, tudo que elas viveram antes deveria significar algo.
Principalmente porque as críticas que Jackie traz não são nem um pouco impertinentes. Ela protesta contra uma violência desumana, que arrancaria a vida de Travis se ela e Nat não tivessem chegado a tempo, violência essa que ela não entende ou admite como capitã e colega de time. Porém, sua crítica não é bem aceita tanto pela intensidade das suas críticas quanto por falta de apoio, sem Nat ou Travis por ali, suas críticas são descartadas.
A gota d’água
A briga que acontece em seguida com Shauna é difícil de ver, porque, sinceramente, não acho que ela tivesse tudo que realmente queria nem mesmo antes, como diz Shauna. Na verdade, é muito fácil julgar a vida do outro com espelho da sua própria vida. E, por mais que Jackie talvez não devesse ter acusado a amiga de ser invejosa, não sei bem se era mentira. Pois como explicar as atitudes pré-queda de outra forma?
O desabafo das duas é real e se viesse em outro momento talvez elas tivessem conseguido se reconciliar, mas do jeito que foi não tinha muito outra saída e, após ouvir palavras bem cruéis mas verdadeiras da única pessoa que ela costumava confiar, ela tenta usar sua velha influência para mandar sua antiga melhor amiga embora, porque não suporta mais conviver com alguém que pode mentir, enganar e falar coisas tão cruéis para ela.
No entanto, o plano dá errado e é ela que acaba do lado de fora, ela poderia ter lutado, ter se negado a ir, mas naquele ponto Jackie já não aguenta mais nada daquilo, ela não sai pensando em se matar, mas já não se importa mais com as consequências. Ela não hesita nem por um segundo, está cansada dessa realidade, dessas pessoas que ela não reconhece mais e não está disposta mais a fingir.
Por que ela simplesmente não voltou para a cabana?
Mesmo depois, já do lado de fora, quando ela se dá conta do que provavelmente pode acontecer, ela não retrocede. Ainda que ela não seja especialista em sobrevivência, até ela sabe os riscos de dormir do lado de fora, ela chega a fazer uma fogueira tímida, que adianta de muito pouco e ela sabe disso, em outro contexto ela muito provavelmente teria simplesmente voltado.
Mas não nesse momento, Jackie viu o mundo de sobrevivência e violência que o grupo estava entrando e acredito que ativamente escolheu não participar dele, que preferiu encurtar todo esse sofrimento de uma vez enquanto ainda tinha algum controle sobre isso. Talvez ela não esperasse que fosse nevar, mas ela já não se importava mais com o que ia acontecer com ela,e o frio ou os lobos a levassem, desde que tudo aquilo acabasse. Jackie dormiu e se entregou, aceitando o que quer que viesse, pois se não morresse ali, morreria logo, já que quase não se alimentava mais.
O mais triste de tudo é que no fim tudo que ela disse para o Travis se provou real. O amor e amizade não importam, nada importa nessa nova realidade. Não só ninguém veio salvá-la, como ninguém a protegeu de ser usada por Shauna e a todos como um objeto, mesmo depois de já ter morrido. Sua partida marca o fim da era humana de Yellowjackets. Como diz a música de abertura, não tem mais como elas retornarem ao que eram e talvez essa seja a maior punição que elas poderiam ter pelo que fizeram.