Tempo, de M Night Shyamalan, é tão problemático quanto inteligente
Tempo é o mais novo filme do famoso diretor M Night Shyamalan. Conhecido por seus filmes de suspense, Tempo não se distancia muito dos outros nesse sentido. Famoso por filmes de sucesso como O Sexto Sentido, Vidro e Fragmentado, não é difícil entender porque Tempo era também tão esperado.
Mais uma vez somos apresentados a uma história fantasiosa, mas com um tom de realismo. Desse modo, ela busca nos fazer refletir, e também questionar como seria se algo similar realmente acontecesse. Com as gravações realizadas em plena pandemia, produzi-lo foi um processo difícil e mais demorado do que os fãs gostariam.
Porém, não pelo motivo que vocês imaginam, com 0 infecções de COVID entre o elenco e equipe, o maior desafio dos bastidores era o próprio set de filmagem. Como foi gravado em um local e numa época onde acontecem muitos furacões, não existia espaço para erros ou muitas tomadas.
Tudo precisava ser feito como o programado, já que o clima era instável e imprevisível. Mas apesar dos desafios, no geral a produção se saiu bem e entregou o resultado final mais tarde do que muitos gostariam, mas em bem menos tempo do que poderia levar.
Sobre o que é o filme?
Adaptado de uma HQ francesa de Pierre-Oscar Lévy e Frederick Peeters, Tempo parte da premissa comum de M Night Shyamalan: um acontecimento inacreditável, porém com tons de realismo. Tudo isso recheado por elementos de suspense e uma pitada de plot twists.
Dessa forma, Tempo apresenta a história de Guy (Gael García Bernal), Prisca (Vicky Kriesp) e seus dois filhos que vão passar férias num resort afastado de tudo e paradisíaco. Apesar da atmosfera de perfeição, fica claro pela interação dos personagens que algo mais está acontecendo.
Toda a dinâmica de família feliz não convence pela distância emocional da mãe e a constante menção de assuntos de trabalho nas interações. Claramente existe um desconforto e algo de errado com a família, resta saber o que.
Além disso, há também uma atmosfera esquisita em volta dos personagens. A partir dos ângulos escolhidos, cortes bruscos e a trilha sonora imergimos em uma sensação incômoda que não vai embora durante todo o primeiro ato. Ainda que não entendamos muito bem porque.
Personagens e suas interações
Logo de início, somos apresentados aos personagens dessa família e outros hóspedes do resort. De forma bem sútil e conectada ao cotidiano, conhecemos novos personagens, seus relacionamentos e personalidades. O que a princípio não parece tão relevante, vai sendo utilizado ao longo do desenvolvimento da trama. Como, por exemplo, a instantânea amizade de Trend, filho de Guy e Prisca, com Idilib, o sobrinho do dono do resort, que não podia ser mais fiel às amizades infantis em viagens.
Tudo parece estar indo bem até a família e mais alguns hóspedes serem convidados para passar o dia em uma praia deserta. Parece um paraíso, e por isso mesmo estranhando muitas das atitudes do transporte, o grupo se deixa levar pela aventura e chega até a praia.
De início nada parece fora do normal, as crianças se divertem e os adultos seguem cada um dentro de seus círculos e problemas. Porém, quanto mais eles interagem mais ficam claras as diferenças de visão de mundo dessas pessoas.
O Pesadelo Começa
Não demora muito para o dia perfeito se transformar num completo pesadelo. Quando um deles encontra um cadáver, o clima de férias muda completamente sendo substituído por uma onda de paranóia e desconfiança.
Desse momento em diante, uma sequência de acontecimentos estranhos começa a ocorrer e fica claro que nenhum deles está realmente seguro ali. Por consequência, o instinto de fugir dali o mais rápido possível surge, mas por mais que tentem, simplesmente não conseguem deixar a praia.
Os Objetivos do Enredo
Desse modo, o filme conduz sua trama em prol de três objetivos: nos responder importantes perguntas como: por que isso tá acontecendo? Como ou se essas pessoas vão sair dali? Mas principalmente, como esse grupo se relacionará para chegar a qualquer uma dessas respostas?
Apesar da proposta ser interessante, os diálogos soam falsos e muitas das ações dos personagens não parecem tão factíveis e reais como deveriam, especialmente considerando a proposta de M Night Shyamalan.
O Óbvio não tão óbvio assim
Ao longo das cenas o suspense vai sendo incrementado através de planos e montagens que evitam revelar de cara o que está acontecendo. Com o objetivo de acompanhar as impressões e sentimentos dos personagens, o filme não nos confirma logo o que já é óbvio para o público, mas não para os personagens.
Como seria na vida real, eles demoram a aceitar e até mesmo pronunciar em voz alta o que já está bem a sua frente. Assim, dando ênfase na montagem, e nos cortes rápidos, o filme passa uma sensação de constante observação.
Suspense ou Drama?
Por mais que seja um suspense, no fim ele serve mais para conduzir a uma trama maior e muito mais importante. Dessa maneira, é um filme sobre uma família e sobre a finitude do nosso tempo, ainda que vivamos como se ele nunca fosse acabar. Infelizmente, apesar de ter um grupo de personagens interessantes, o potencial deles é pouco explorado dentro do enredo.
Porém na verdade, um dos principais problemas, está em como o enredo responde suas principais perguntas. Ao invés de seguir os conhecimentos de seu maior ídolo Hitchcock sobre apenas resolver situações com diálogos quando é inviável solucioná-las com imagens. Shyamalan prefere responder suas perguntas de forma simples e mastigada cortando toda a tensão criada antes dela de fato chegar ao seu ápice. Repetindo um erro que já cometeu algumas vezes por sinal.
Em suma, apesar de ter uma proposta interessante ela se perde dentro dela mesma, mas ainda assim é uma experiência válida para reflexão e é capaz de entreter principalmente quem não tem informações demais sobre a trama. Dessa maneira, o filme reflete tanto sobre a finitude do nosso tempo, quanto sobre o maior debate humano: os fins realmente justificam os meios?
Transtornos Mentais e o diretor M Night Shyamalan
Contudo, apesar de conter esse lado positivo, Tempo de M Night Shyamalan mais uma vez representa de forma superficial e irresponsável transtornos mentais. Representando pessoas com transtorno como violentas e perigosas, o que apenas colabora para manter um estereótipo muito danoso para quem tem ou convive com alguém que possui algum transtorno.
Consequentemente, de forma indireta o filme pode colaborar com o isolamento social de pessoas dentro dos transtornos, causados pela desinformação e o consequente preconceito daqueles que sem ter contato com pessoas com o transtorno na vida real podem usar do filme como referência.
É certo que nesse filme esse ato poderia ser deixado de lado pelo contexto, mas considerando que M Night Shyamalan constantemente usa dos transtornos em seus filmes dessa maneira, seria irresponsável não criticá-lo.
Em um mundo ainda cheio de preconceitos e desinformações um cineasta dessa magnitude não pode fechar os olhos sobre o poder de influência das suas obras, o mínimo seria acrescentar um aviso informativo a respeito no longa. Isso vale tanto para Tempo quanto para Fragmentado, e outros longas do diretor.
E aí já assistiu? Comenta aqui embaixo o que achou do longa!
Para quem ainda não viu, Tempo de M Night Shyamalan já está em cartaz nos cinemas brasileiros.
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